Diego Belda
Diego Belda
Poucas semanas separam a abertura da presente exposição de Diego Belda do encerramento de sua mostra individual anterior, na galeria Virgilio, em São Paulo, intitulada Malagueta, Perus e Bacanaço. Para aqueles que viram ambas, podem parecer ter sido feitas por artistas diferentes. Na galeria, o espaço quase claustrofóbico pela quantidade e disposição dos trabalhos – de natureza conceitual e formas volumétricas –; no Paço das Artes, o espaço amplo, deixado a respirar, ocupado por duas obras apenas, pictóricas e planares. A materialidade deu lugar à reflexividade.
João Antônio, autor que inspirou as obras da mostra na Virgilio e de quem o artista tomou emprestado também o título, deu lugar a Charles Bukowski no papel de conector com a realidade. Dois títulos de poemas de Bukowski nomeiam as duas pinturas exibidas no Paço: What Matters Most Is How Well You Walk Through the Fire e Betting on the Muse. A escolha de dois malditos da literatura para permear de ficção as obras de outro modo bastante abstratas de Diego Belda não tem nada de aleatória: são dois escritores que há muito alimentam a criação do artista. Porém, se a ligação com o mundo e personagens de João Antônio foi amadurecida por muito tempo antes de se transformar em feltros de mesa de sinuca apropriados e tornados pinturas ready-made, a recorrida a Bukowski foi abrupta.
Em outras palavras, não há, entre uma exposição e a outra, uma continuidade pacificadora. No lugar da coerência que se costuma exigir de um artista, Diego Belda apresenta o conflito. “Apostar na musa” – cuja ênfase, em se tratando de Bukowski e Belda, é de se imaginar que deva recair mais na aposta do que na musa em si– ou “atravessar o fogo” são enunciados de crise e de conflito; a descontinuidade abrupta entre um discurso sobre a pintura a partir de objetos apropriados ou construídos à maneira colagista e um discurso assumidamente pictórico também enuncia um conflito. Estaria o artista, após a construção calculada de cada módulo da exposição anterior, com saudade de, simplesmente, pintar?
Estaria, depois de negar quase todos os predicados convencionais da pintura, predisposto a uma aposta de alto risco em uma jogada tradicional? Mas há que se observar mais de perto a aposta do artista na nova exposição: o “retorno à pintura” acontece por meio do uso de um material complexo, uma resina que deixa pouquíssima área de “manobra” uma vez espalhada sobre a superfície da pintura. As manchas de cor são difíceis de controlar e, nisso, se assemelham à opção por materiais prontos que indicavam, na individual anterior, a “ausência da mão” do artista.
Pode-se dizer que Diego Belda segue investindo em uma possibilidade de pintar sem pintar; de apresentar um pensamento pictórico que não envolva a angústia do pintor solitário no ateliê em um embate heroico com a tela, a cor, o espaço, etc. Aqui, um mar de tinta desgovernado encontrou um lugar vagamente confortável sobre uma superfície plana que, exposta dentro de uma instituição de arte, obra cercada por obras de outros artistas, engole tudo o que encontra ao seu redor e também reflete em tudo e todos que seu raio de ação alcança. Pintura conflitante que transfere o embate artístico para o espaço em que a arte se dá a ver, sua arena. Pinturas bélicas, que mais parecem “estrangeiras”, estranhas que são ao observador da obra de Belda; estranhas que talvez sejam mesmo para ele, o artista.