alt da foto

Abertura

10 abr / 19:00

Visitação

16 mar - 05 jul / 2015

temporada de projetos

Cruzeiro do Sul

Vim a Comala porque me disseram que aqui vivia meu pai, um tal Pedro Páramo.
(Juan Rulfo)


Em seu livro A conquista da América – a questão do outro, o teórico Tzvetan Todorov investiga a “descoberta que o eu faz do outro” a partir da descoberta e conquista da América. Ao analisar os cem anos subsequentes à primeira viagem de Colombo, Todorov sustenta que “é a conquista da América que anuncia e funda nossa identidade presente. […] A partir desta data, o mundo está fechado (apesar de o universo tornar-se infinito). […] Os homens descobriram a totalidade de que fazem parte”.


Se, durante a conquista, as empresas colonizadoras ibéricas (e, depois, europeias) passaram a perseguir a totalidade territorial do continente, a fim de completá-la, depois da colonização, os países americanos herdaram o dilema do território e da totalidade populacional, e, por consequência, cultural, que ele encerrava. No Brasil do século XIX, principalmente após a coroação de D. Pedro II, em 1840, tanto os órgãos oficiais – como o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro – quanto agentes do incipiente ‘mundo das artes’ tentaram dar conta desse dilema, e a presença indígena começa a surgir aqui e ali como índice da totalidade sobre a qual reinava o imperador. É interessante notar, também, que, nessa mesma época, surge o ideário das três ‘raças’ formadoras do Brasil – acompanhado pelo diagnóstico de que as culturas indígenas e africanas estavam destinadas a desaparecer em uma nova síntese cultural.


Contudo, nem a mentalidade romântica, que respondia artisticamente às necessidades narrativas do país, nem a compreensão formal do território brasileiro davam conta das enormes porções de totalidade que permaneciam desconhecidas àqueles que refletiam sobre o Brasil. Com a escravidão e o genocídio ameríndio ainda em curso, por um lado, e um vasto território a demarcar e explorar, por outro, a questão da totalidade permanecia em aberto.


E assim ficou até 20 de dezembro de 2002. Nessa data, pela primeira vez, um objeto cultural de origem indígena foi registrado como parte integrante do patrimônio histórico e artístico nacional pelo IPHAN. O processo que resultou no reconhecimento da pintura corporal e da arte gráfica wajãpi não foi, naturalmente, fruto só de demandas internas e da disputa, nas discussões sobre patrimônio, por capital simbólico. Ao longo do século XX, principalmente após a industrialização iniciada em sua primeira metade, o Brasil viveu um intenso processo de interiorização e ocupação de regiões com baixa densidade populacional, principalmente no centro-oeste e no norte do país. Da construção de linhas telegráficas no interior, iniciada pelo Marechal Cândido Rondon, à abertura da rodovia Transamazônica, realizada sob a gestão de Mário Andreazza no Ministério dos Transportes, diversos projetos governamentais visaram acessar e colonizar esses territórios, supostamente desocupados, em busca do almejado domínio sobre a totalidade territorial do Brasil. O que se observou, no entanto, principalmente durante o ciclo de abertura de rodovias capitaneado por Andreazza em sua longa gestão no ministério, foi uma série desordenada e violenta de contatos com povos indígenas que até então se mantinham ao largo da narrativa nacional. Nesse contexto, os representantes do Estado brasileiro oscilaram entre o desejo etnocida de integração desses povos na sociedade brasileira e tentativas limitadas de intervenção positiva nessas questões.


No campo artístico, o processo de autocolonização subjacente à abertura de rodovias teve como paralelo o princípio de uma produção finalmente crítica à presença indígena como elemento constituinte das narrativas nacionais. Um dos marcos para essa virada crítica é a obra Cruzeiro do Sul, realizada por Cildo Meireles em 1969, em que uma peça de madeira de 1 centímetro cúbico é apresentada em uma área de no mínimo 200 metros quadrados, sem nada mais no espaço. O cubo é feito de pinho e carvalho, madeiras cujo atrito produziria fogo, segundo a cosmogonia tupi. O “relativamente imenso espaço vazio que o circunda”, diz Moacir dos Anjos, “indica a extensão da força simbólica que a partilha imaterial de uma crença potencialmente embute. E o fato de as civilizações ameríndias terem sido dizimadas por colonizadores europeus na América do Sul só atesta a potência crítica que esse vão quase deserto pode assumir”. Só com Cildo, enfim, a presença dos povos indígenas é retirada do “lodo exotizante” em que o modernismo a colocara (a constatação e as aspas são de Paulo Herkenhoff).


Ao mesmo tempo, outras experiências, indiretamente ligadas ao campo artístico, materializaram essa presença no imaginário nacional. Em meados da década de 1950, a revista O Cruzeiro divulgou aos seus 700 mil leitores fotografias realizadas por Jean Manzon, Henri Ballot e José Medeiros. O alcance inédito dessas imagens despertou a curiosidade sobre os povos indígenas e fundou um recorte editorial que existe até hoje: a ‘reportagem especial’ sobre a Amazônia. Uma dessas edições especiais foi realizada em 1971 pela revista Realidade. Publicada em outubro do mesmo ano, teve a colaboração da fotógrafa de origem húngara Claudia Andujar, que realizou seu primeiro ensaio junto aos ianomâmis. A partir do trabalho realizado para a Realidade, o envolvimento de Andujar com esse povo foi crescente, culminando com sua participação ativa na criação da Comissão Pró-Yanomami, em 1978 (então chamada Comissão pela Criação do Parque Yanomami) e na consequente demarcação de suas terras, em 1992. Em paralelo à militância, desde 1971 Andujar vem desenvolvendo uma obra fotográfica em diálogo com os ianomâmis.


*


A epígrafe deste texto é a primeira frase de Pedro Páramo. O romance do mexicano Juan Rulfo conta a história de Pedro, senhor de terras que, por capricho, devasta Comala, o povoado de que é dono. Seu filho Juan, que chega em busca do pai ou de alguma herança, encontra o lugar abandonado, habitado por fantasmas. É a partir de suas vozes que a história de Pedro Páramo vai sendo construída.


As obras presentes na exposição Cruzeiro do Sul foram reunidas contra o fundo histórico acima descrito. Todas tensionam, de um modo ou de outro, as disputas territoriais que nos constituem historicamente e de que a “questão indígena” é sintoma. São também uma visita a esse mundo de fantasmas. Não falam em nome do Outro; mas são seu eco, o rastro de sua presença.


Além dos vídeos, objetos e fotos, há também um conjunto documental de extrema importância. Ele reúne imagens publicadas na edição especial da Realidade – publicidades e fotografias que trazem um fragmento dos discursos da época –, além de vídeos do acervo do Museu do Índio – que registram duas expedições do Marechal Cândido Rondon – e do Arquivo Nacional, com trechos de cinejornais informativos sobre a abertura de rodovias no norte e no centro-oeste do Brasil. Assim, a exposição pretende investigar isso que permanece na sombra de nossa narrativa cultural. O território em crise e os fantasmas que emergem são parte do nosso patrimônio – a nossa herança. São a tentativa, sempre incompleta (uma vez mais repetida), de conhecer a totalidade de que somos parte.















agradecimentos

Paulo Castello
Luisa Duarte
Paulo Bueno
Romário Alves
Carlos Senna Passos
Ricardo Carioba
Yoann Saura
Rita Carelli
Tainá Azeredo
David Gomes
Marcos Gallon
Gui Mohallem
Cristina Bogossian
Juliana Freire
Garupa Estúdio
aos artistas participantes
e à equipe do Paço das Artes

Abertura

10 abr / 19:00

Visitação

16 mar - 05 jul

temporada de projetos

visitação

abertura

10 de abril - 19:00 horas

acompanhamento crítico

Este site utiliza um conjunto de cookies para melhorar a navegação.
Ao continuar navegando, você concorda com a nossa política de privacidade.

Para mais informações clique aqui.

Aceitar todos os cookies