É no caráter experimental do tempo – nas obras, na construção da memória – em que se baseiam os registros da paisagem em STIIL, exposição de Marcelo Moscheta para o Paço das Artes. Há um trajeto a ser percorrido em cada obra, mas sua duração baseia-se no instante distendido da contemplação e formação do pensamento evocado pelas imagens. Elas exigem um olhar alongado que se forma nos interstícios, fora do alcance dos olhos comuns que só conseguem enxergar a aparência, o que está na superfície das coisas.
Em Still, um díptico de larga escala (120 x 240 cm, cada), imagens de nuvens a deriva no céu envolvem o visitante. O que inicialmente se parece com o negativo ampliado de uma fotografia se revela na fragilidade da técnica como algo impermanente: a imagem é efêmera. Trata-se de um desenho em grafite sobre PVC (policloreto de vinila). A ação do tempo e do ambiente desfaz a imagem na medida em que o pó do grafite se esvaece. A idéia de transitoriedade – trânsito das nuvens, e da passagem entre diferentes estados de matéria quando do seu desaparecimento – se aplica também a própria técnica. Porém, acrescida à paisagem há uma marcação numérica, o time-code típico de imagens de vídeo. Esse artifício causa uma tensão entre o instantâneo e o impermanente, e coloca o espectador nesse espaço do meio, que se situa no congelamento do instante onde o tempo não se cristaliza, mas infla; entre a construção da memória de paisagem, no momento em que se imprime no cérebro a imagem, e sua inevitável destruição ou fragmentação em seu possível esquecimento.
A instalação RGB conta com vários mini-backlights construídos pelo artista, contendo imagens fotográficas de paisagens com predominância das cores vermelhas, verdes e azuis (red / green / blue) formando um desenho orgânico em sua totalidade. O deslocamento dos olhos entre um fragmento e outro determina a construção da paisagem experimental, nela mesma mutável, uma vez que, em um segundo olhar, adotando um novo percurso, o todo da paisagem se torna outro. Pois são seus detalhes, ou a escolha de novos percursos ou ângulos de abordagem dos fragmentos que determinam a composição de novas memórias de paisagem. Esse exercício subjetivo de criação mnemônica remete, sobretudo, ao fato de que a memória habita um domínio em ruínas mas em constante estado de construção.
Moscheta trabalha o caráter experimental do tempo a partir da discussão sobre seu aspecto monumental. Os filmes de Michael Snow, por exemplo, são discutidos nesses termos. Com um movimento de câmera de 360º, La Region Centrale (1970) apresenta a paisagem gelada do norte de Québec em três horas e meia, e Wavelength (1967) é um plano seqüência em zoom de um único frame, que dura 45 minutos. O artista canadense explica que a intenção foi a de representar o peso do tempo, sua monumentalidade, na medida em que ele acreditava ser a duração ideal para que a imagem atingisse a consciência do espectador.
A duração do processo de despertar a consciência é parte essencial do conceito nos filmes de Snow, e a técnica cinematográfica permite diferentes experimentações em suas formas de apresentação. A força da experimentação com a monumentalidade do tempo na obra de Moscheta está na duração distendida da contemplação dentro do instante em que se apresenta a imagem fixa. Em Branco Gelo, a imagem de um iceberg em grafite sobre PVC expandido é montado em uma caixa de acrílico, tendo na própria moldura a transparência característica do gelo. O iceberg, em constante movimento no seu derretimento e a deriva no oceano, é fixado por aquilo que remete à sua própria matéria. À imagem é dada um caráter icônico. Cuidadosamente elaborada e apresentada, sua fixação remete à reflexão dicotômica sobre a impermanência de qualquer estado natural em contrapartida ao esforço humano de assegurar o estável, o duradouro, o eterno. Na obra de Marcelo Moscheta, vê-se a imagem com o olhar alongado, com o estado contemplativo da mente.
* Marcelo Moscheta foi artista convidado para a Temporada de Projetos 2007