Não falta muito para que estas peças se convertam em veículos de mão utilitários. Nem por isso o que as orna falíveis no aspecto funcional lhes impede a plenitude física. As esculturas que compõem a mostra de Chico Togni no Paço das Artes exercem as próprias imperfeições práticas na redução icônica de suas formas, até chegar à síntese de uma roda e um guidão, de uma roda e um puxador. O objetivo – se pudermos chamar assim – é representar e sugerir, em três dimensões, uma ação ou um movimento também inútil.
Os carrinhos não levam nada a lugar nenhum. Empurrá-los implica esforço sem nenhum resultado; uma operação de negatividade que se insinua de antemão em conformações desastradas, de equilíbrio duvidoso e mobilidade restritiva. Contudo, o trabalho se apresenta irredutível, a instigar perguntas sobre a lógica que orienta os protótipos industriais dirigidos a ... nada; talvez à contraparticipação. Fazer o quê, ao vê-los espalhados pelo chão, em organizações absurdas, senão buscar respostas à perplexidade?
A produção de Chico Togni se caracteriza justamente por ações amorais a atópicas que subtraem a funcionalidade das coisas, sem, no entanto, lhes negar o imediato reconhecimento no sistema de objetos. É desse modo que o artista recobre as placas de rua que identificam nome, número e CEP das vias de um cruzamento (“Exquinas”, 2001); superpõe um adesivo às plaquetas de ônibus que ficam na lateral dos coletivos para informar o itinerário (“Ato no 3”, 2002); interrompe o acesso de uma rampa com réplicas da mureta e do corrimão que contornam a área de passagem (“Ato no 4, 2003). Tudo para deixar o usuário sem as referências usuais, fazê-lo repensar o automatismo dos gestos e cotidianos e, com isso, procurar saídas para pequenos problemas que nunca o fustigaram antes.
A motivação é, sem dúvida, um prazer antinormativo, de abolir temporariamente regras estabelecidas, a fim de pôr no lugar uma interrogação sobre o que faz de um objeto ser aquele objeto com aqueles desempenhos previstos. Daí o impulso de tornar iminentes a descaracterização das coisas e a alteração de sua ordem, de corromper suas leis, de duvidar de sua origem e destino. Por exemplo, os veículos: se colocados para andar, não demoram a ser peças de chão novamente, porque frustram; em seguida alguém lhes devolverá o papel de veículos de mão, pois, aparentemente, não falta muito para que sejam utilitários. As esculturas são, enfim, concisas e contraditórias. Podem ou não ser isso e aquilo, enquanto significam tudo a um só tempo.