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02 fev - 28 mar / 2016

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Jogo de forças

"Quais dispositivos a gente é capaz de inventar que possam disparar outra sensibilidade, outra percepção, outra sociabilidade e outras formas de vida?" 
(Peter Pál Pelbart)

Se no passado a representação produziu uma arte de caráter político, esta se deu através da reprodução dos pensamentos, fatos ou ideais presentes nas sociedades, seja pela relação ética-moral na produção sensível ou mesmo na escritura e transgressões praticadas através da história da arte. Neste sentido, pode-se dizer que até a chegada da contemporaneidade, o viés político da arte esteve ligado às macroestruturas da sociedade, ou às partes visíveis de um campo de forças, das mais notáveis, então, poderíamos dizer a burguesia e a religião. No momento em que a arte atravessa todos estes séculos, passando pelo modernismo e reagindo às velhas práticas estabelecidas no meio artístico, o artista passa a produzir com mais autonomia de pensamento, experimentando novos modos de produção. 


A contemporaneidade alcança mais intimamente a relação entre arte e vida, e o artista se vê repleto de possibilidades na criação através do surgimento e cruzamento de novas linguagens. O abandono dos possíveis programas estéticos e uma aproximação com a filosofia contemporânea fez surgir uma relação mais reflexiva, no sentido de perceber os aspectos mais característicos da vida em sociedade e ao mesmo tempo mais pragmáticos da arte, estabelecendo relações mais íntimas com a presença do espectador e sua participação na criação e ativação das obras ou criações artísticas.

No ramo da filosofia, Michel Foucault desenvolveu um pensamento que reflete a noção de poder através de uma arqueologia dos mecanismos que o originam, como algo que está ao mesmo tempo em toda parte e em lugar nenhum. Um poder que é visível e ao mesmo tempo invisível, produtor de um saber potencial, multiplicador de discursos que formam, organizam e circulam como dispositivos geradores de mais poder.
De acordo com Giorgio Agamben, diante da nossa contemporaneidade e do capitalismo global, os dispositivos constituídos através de relações de forças podem ser considerados elementos materiais ou imateriais capazes de capturar, orientar, determinar, modelar, controlar e assegurar os gestos, as condutas, as opiniões e os discursos dos seres viventes numa função estratégica que condicionam certos tipos de saber e por eles são condicionados.


Diante desta visão do poder, como uma relação de forças percebidas em certos elementos entendidos como dispositivos, poderemos chegar ao entendimento e objetivo da proposta aqui apresentada. Neste projeto curatorial, pensaremos as relações de forças ou relações de poder na arte através da noção de “obra-dispositivo”. Nesse sentido, é proposto um projeto no qual pensaremos as obras de arte e a criação artística como uma ação potencial de reconhecimento da dimensão estética da política e da vida, possibilitando novos sentidos através da subjetividade e da experiência do espectador na sua relação com a arte contemporânea. Este projeto pensa o potencial desta relação como um atravessamento (tanto na experiência da criação do artista, quando na experiência de fruição do espectador), que provoca uma experiência política.


Na criação artística, esta experiência se daria através de um relacionamento de forças do artista com discursos de poder na vida em sociedade. A obra-dispositivo seria então uma rede estabelecida entre diversos elementos, como espaços, tempos e atividades que fazem parte da construção das subjetividades e que teriam o potencial de ativar o espectador a compreender quais são as forças atuantes na criação da obra. O trabalho seria menos um objeto a ser contemplado e conteria mais um espaço à percepção de um percurso no processo de criação através de um atravessamento das questões ou relações de força presentes na obra.


Este atravessamento é, precisamente, o potencial de uma experiência política no contato do espectador com as obras deste projeto. A obra-dispositivo será capaz de gerar impactos estéticos que alteram uma experiência sensível dada, majoritária e hegemônica da vida. Este tipo de experiência potencializa o próprio pensamento, e provoca a participação ativa do observador através de novos sentidos na produção da subjetividade, realidades, e de si mesmo, ao perceber e alterar noções pré-estabelecidas de sua participação na vida e num campo de forças reativas que tomam controle e domesticam ações da vida cotidiana.


O conceito de obra-dispositivo apresentado nesta proposta se dá através dos trabalhos dos artistas aqui apresentados, e que se relacionam através da criação de um campo de força no espaço expositivo. Neste sentido, o projeto expõe um território micropolítico presente num “jogo de forças” onde cada obra funciona como uma relação de força, entre o artista e a sociedade ou entre a obra e o espectador. 


Este jogo se dá através dos discursos de poder existentes na contemporaneidade, tanto no campo macropolítico quanto no micropolítico, seja pelo discurso intelectual, cultural, social, econômico ou mesmo através do discurso artístico, do qual faz parte esta proposta. Estas forças são visíveis e ao mesmo tempo invisíveis, produtoras de um saber potencial, saber este que opera como um agente elucidativo diante da realidade vivenciada a cada dia. As obras apresentadas nesta exposição, condicionam, de modo sutil, porém muito potente, o espectador a desvelar um jogo de força presente nas criações. Estes trabalhos apresentam o avesso dos discursos dos quais o artista confrontou-se, e deste modo, eles próprios são atos de resistência na subjetividade contemporânea.


Diante de um País e do mundo em crise, o artista se vê, mais intensamente, neste relacionamento de forças reais presentes no território da vida, e a criação artística não está alheia. A subjetividade contemporânea é ativada numa constante relação entre sujeitos, práticas e objetos, criando realidades e modos de vida, neste sentido, o espectador aqui irá confrontar-se, não com um espaço fechado à apresentação de obras criadas para fruição plena, mas estará de frente com um espaço folheado, de infinitas possibilidades numa rede de forças ativadas a cada relação com as obras, onde o poder será experienciado potencialmente como um saber produtor de realidades, de outros modos de se vivenciar as forças reativas presentes na vida e na sociedade atual.


O trabalho se dá como catalisador de uma experiência política porque o artista opera no real e transgredindo um espaço delimitado de um plano psicossocial e institucional, criando estratégias de transformação de ações domesticadas dentro de um espaço partilhável. É neste sentido, que o trabalho alcança duplamente o potencial de uma experiência política, na ação do artista e também na recepção do espectador que é instigado a ter uma experiência ativa diante do espaço em que vive, percebendo, supostamente, as relações de forças presentes no ambiente, e seu potencial de liberdade para lidar com essas forças, orientando-se através de uma perspectiva relacional, como vitalidade potencial em relação aos efeitos das forças reativas do mundo na subjetividade dos corpos.

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