Laboratório Gráfico Desviante
Perguntas sobre/com/por uma linguagem
Entrevista concedida pelo Laboratório Gráfico Desviante (Bruno Mendonça, Laura Daviña, Júlia Ayerbe, Thiago Carrapatoso e Thiago Hersan) à Ana Maria Maia, inicialmente em um encontro presencial, em 20 de agosto de 2017, em São Paulo, e depois em trocas e edições por meio de um arquivo compartilhado de Google Docs.
Como se formou o grupo?
Júlia Ayerbe: Foi no
projeto Cidade Kuir (2016).
Se chamava Laboratório Gráfico Kuir, era um grupo de estudos pra entender um
pouco as questões relacionadas à representação do kuir graficamente, na
escrita, na tradução.
Bruno Mendonça: No projeto Papeleta (2016), que acontecia no espaço Aurora, assumimos outra pauta, relativa a como desnormatizar alguns cânones das publicações. Foi aí que adotamos o nome atual do grupo, Laboratório Gráfico Desviante.
O que pretendem fazer no Paço?
Bruno Mendonça: A
gente não vai expor um trabalho, mas um processo de pesquisa. A ideia é abrir a
“caixa preta” de algumas mediações em uma instituição de arte. Promoveremos
cinco debates logo na primeira semana de projeto. Cerith Wyn Evans fala em
“ética da fraqueza e política da dúvida”. Queremos debater pois existe certeza
demais e muitas vezes nem os próprios produtores (artistas, agentes e
instituições) querem se repensar.
Laura Daviña: As
ferramentas que criamos ou das quais nos aproveitamos no Laboratório visam a discutir
os cânones ou escancarar questões de normatizações. Pretendemos propor
experimentos a partir das questões trazidas durante as conversas, usando como
suporte o espaço físico, a projeção de vídeo, o espaço virtual e, ao final, uma
publicação.
Júlia Ayerbe: Buscamos entender limites entre o desejo de borrar normas e as demandas reais do dia a dia das instituições, por exemplo, receber o público de inúmeras escolas. Nos interessa a concretude das experiências, a perspectiva de quem não só pensa, mas também executa e tem que lidar com tensões e demandas. Pra esses debates, fugimos do auditório porque a gente não quer a hierarquia e o distanciamento dos corpos.
Vocês falam em “normatizações e cânones de linguagem”. O que consideram ser alguns desses cânones nos âmbitos da instituição, do design, da arquitetura, da educação ou outros não citados no projeto?
Júlia Ayerbe: Os
cânones ocultam os processos. Optamos por não discutir curadoria, de que já se
fala muito. Mas há regras e valores em todas as práticas institucionais. Um
exemplo: nos catálogos do MAM de São Paulo não se pode hifenizar o nome das
pessoas. O designer pode fazer o projeto que for, mas a isso ele vai ter que
atender.
Thiago
Carrapatoso: Eu
ainda fico deslumbrado com a divulgação das fichas técnicas. O que aquelas
informações dizem para o espectador quando ele não está diante da obra? Podem
conter dimensão, técnica, coleção, data, mas o que conseguem passar? No fim,
nada dizem, mas é institucionalizada a importância da ficha técnica.
Bruno Mendonça: São posturas né?! Um design pode ser experimental demais e se tornar disfuncional? Uma bienal consegue ter uma expografia de artistas e não de arquitetos? Até que ponto uma instituição pode confundir um pouco esses papéis?
As normas e os cânones caracterizam os circuitos de arte em todo o mundo, mas que especificidades podemos considerar no Brasil?
Júlia Ayerbe: Uma
característica local é que os projetos são confundidos com as pessoas que os
gerem. Desmoronam se elas não estiverem lá. É triste, mas acontece. Outra coisa
são regras pouco claras. As normas existem, mas são invisíveis e você só as
descobre trabalhando.
Thiago Hersan: Não sei
se por um dado cultural ou por falta de recursos, eu sinto que aqui no Brasil
as coisas estão um pouco menos formatadas, o que gera uma abertura e uma
disponibilidade para a conversa. Aqui eu posso chegar num lugar e propor alguma
coisa.
Thiago Carrapatoso: Essa abertura também pode ser problemática, porque se criam instituições sem fins muito bem definidos. Onde está o ethos delas no dia a dia? Parece que as instituições precisam ser "Frankensteins" de si próprias para encontrar uma forma de sobrevivência em qualquer situação econômica.
Um dos temas propostos é a virtualidade. Como querem discuti-lo?
Thiago
Hersan: As
instituições eram espaços físicos onde você ia acessar coisas. Hoje, se elas
não ocuparem o espaço virtual, empresas vão ocupar. Já está acontecendo. O Google
está digitalizando obras de arte. Mas isso tudo tem um custo. As instituições
precisam começar a se relacionar melhor com seus sites e outras ferramentas que
completem a experiência presencial.
Thiago Carrapatoso: Pensando nisso, vamos criar uma rede local, que só poderá ser acessada dentro do museu. Queremos entender como essa situação pode ser experimentada.
O formato de exposição continua sendo o principal medidor da produção em artes. O Laboratório Gráfico Desviante concentra grande parte dos seus esforços em promover debates e vivenciar um processo de trabalho, mas ainda assim ocupa o espaço da sala térrea do MIS. Qual o papel da exposição no projeto?
Laura Daviña: Não
precisamos de uma sala expositiva, mas um espaço é importante para visibilizar
nossos exercícios e questionamentos no Laboratório.
Bruno Mendonça: Não
queremos fetichizar essa presença, mas precisamos de um ponto de encontro. As
coisas vão estar borbulhando naquele espaço e é importante estar em contato com
ele.
Júlia Ayerbe: Também é importante dizer que, de acordo com o edital, o espaço dos artistas da Temporada de Projetos é a sala de exposição. Poderíamos estar no museu de outro jeito, mas nos cabia ocupar este espaço expositivo. Aliás, metade dele, pois será dividido com outra artista.
Pra quem é o projeto? Quem são os públicos em potencial?
Bruno
Mendonça: Acho
que esse é um tipo de projeto para criar dúvidas dentro do circuito. Abre-se
uma portinha da autocrítica. Como estamos produzindo, quem são os produtores?
Júlia
Ayerbe: É
importante pensar estrategicamente. A partir de uma discussão de uma situação
concreta, você abre diversas outras. A concretude de como as coisas funcionam,
em escala pequena, oferece situações para analisarmos problemas de escala maior
no meio da arte e na sociedade.
sobre o artista
O projeto Laboratório Gráfico Desviante propõe o questionamento de normatizações e cânones de linguagens, não com o objetivo de criar novas normas, mas de discutir e compreender os sistemas de cada linguagem e os possíveis níveis de desconstruções, infiltrações e hackeamentos. O grupo, que participou dos projetos Cidade Queer e Papeleta, discute na Temporada de Projetos os dispositivos de mediação do universo expositivo. Para isso convidaram profissionais com experiência em gestão, expografia, design e educativo para participarem de conversas abertas ao público. O espaço expositivo abrigou uma área de trabalho para que o Laboratório produzisse, após esses encontros, materiais gráficos, para serem lançados ao fim da mostra.
visitação
De 06 de setembro a 08 de outubro de 2017
abertura
06 de setembro - 19:00 horas